Portugal terá atingido as 240 000 infecções em Junho, o que o coloca entre os melhores da Europa
Chegar à taxa de fatalidade por infecção
Nas passadas duas semanas foram tornados públicos dois estudos extremamente importantes, pois pretendem responder à questão mais importante para uma pandemia cuja cura ainda nos foge: quanto mata? Um dos estudos é precisamente de um dos países europeus com maior taxa de infecções, a Suécia 1, onde é identificada a taxa de real de fatalidades na Suécia, através do cruzamento dos estudos serológicos com as fatalidades registadas. O outro vem do MIT 2 , e versa sobre uma análise global da taxa de infeção. Os resultados variam entre os 0.60% ( 95% i.c. 0.4% – 1.1%) de Estocolmo, onde os autores reconhecem que não tiveram em conta o excesso de fatalidade ocorrido na Suécia, que excede o número de fatalidades conhecidas provocadas pela COVID-19 em cerca de 30%, e os 0.68% do MIT. Para os cálculos efectuados, foram apenas usados os valores publicados até 20 de Junho.
O caso mais gritante é o da França que apresenta quatro vezes mais mortes per capita que Portugal, mas divulga menos infecções que Portugal.
Ora, estes valores são muito abaixo dos valores oficiais de qualquer país do mundo, mas as causas desta discrepância são bem conhecidas:
- Nem todos os infectados chegam a ter sintomas
- Nem todos os que têm sintomas, os reconhecem como sendo de COVID-19 e estes não evoluem em casos mais graves
- Nem todos os que realmente têm os sintomas chegam a ser testados para a COVID-19
O resultado final é que, em todos os países mundo, sem excepções, há uma subcontabilização das infecções. O que não se sabia era quão elevada era. Agora já se pode calcular quão grande é.
Visto que o estudo de Estocolmo está reconhecidamente a subcontabilizar as fatalidades, vamos usar o valor calculado pelo MIT de 0.68%, que está bem dentro do intervalo de confiança do estudo sueco.
Para conhecer o número real de infectados é necessário distinguir a taxa de fatalidade por caso (CFR, do inglês Case Fatality Rate), da taxa de fatalidade por infecção (IFR, do inglês Infection Fatality Rate). O CFR diz respeito aos resultados por caso de infecção conhecido, aqueles casos que aparecem nos indicadores oficiais relativos aos números de infectados, enquanto que o IFR inclui não só os casos conhecidos, como os que não foram detectados, porque não tiveram sintomas, ou simplesmente não foram testados. De forma a conhecer o IFR é necessário testar um conjunto alargado da população em buscar de marcadores de imunidade, que ocorrem depois de uma infecção viram, como no caso da COVID-19.
Para ter uma ideia das disparidades entre estes dois valores, podemos observar a evolução do taxa de fatalidades por caso em alguns países da Europa, como se pode verificar no gráfico à direita. Este valor apresentava a 20 de Junho valores que variavam entre os 3.9% da República Checa, o mais baixo deste grupo de países, e os 18% da França. Esta variação é interessante, visto que a COVID-19 tem uma mortalidade fixa, que será igual para países com pirâmide demográfica e nível de cuidados de saúde similares, o que acontece de forma genérica dentro da União Europeia. As excepções relevantes a esta constante serão a Espanha e a Itália, onde o nível que cuidados de saúde pode ter descido no pico da pandemia, aquando da saturação dos serviços de cuidados intensivos. Por outro lado, com o evoluir da pandemia, este indicador tem variado também na mesma medida das infecções e fatalidades de cada um dos países.
Esta discrepância de taxas de fatalidade por caso entre os vários países só pode ser explicada pela incapacidade desses países em detectar correctamente os infectados, sendo que quanto mais elevada for a taxa de fatalidade por caso (CFR) em relação à taxa de fatalidade por infecção (IFR), maior é o grau de sub-identificação dos infectados. Olhando para o gráfico acima pode-se então concluir que países como França, Bélgica ou a Holanda tiveram na realidade muito mais infectados do que as estatísticas oficiais indicam.
Da mesma forma, sabendo que a taxa de fatalidade é constante, e assumindo que o número de fatalidades em cada país é um valor com uma margem de erro relativamente pequena (tendo em conta os estudos de fatalidade excessiva, isto corresponde à verdade, não excedendo os 30% em nenhum dos países Europeus), será possível calcular o número bastante aproximado do número real de pessoas infectadas em cada país.
Isto significa que em França, por cada caso detectado, 26 outros casos não o foram
De forma a calcular a taxa de fatalidade por infecção é necessário saber quantas pessoas foram na realidade infectadas, e dessas quantas morreram, para um determinado conjunto da população bem definido, de forma a depois se poder extrapolar para populações inteiras. Saber quantas pessoas morreram da doença não é particularmente difícil, desde que sejam feitos os testes antes ou depois da morte. O desafio está em saber quantos foram infectados e não morreram da doença. Isto é tornado possível devido ao facto de que o sistema imunitário produz anticorpos contra esse agente em particular, e esses anticorpos permanecem no tempo durante bastante tempo no sangue (não confundir com imunidade, já que esta permanece depois dos anticorpos terem desaparecido). Assim sendo, basta procurar por esses anticorpos no sangue para se saber se a pessoa tem ou já teve contacto com o SARS-COV2 e sobreviveu. Finalmente, basta aplicar o método em larga escala.
Os números oficiais
Os números publicados pelos diversos governos são resultado directo das diversas abordagens. Se um país, como a Suécia, apenas testa aqueles que são admitidos nos hospitais com sintomas severos de Covid-19, tal terá como consequência que número de casos seja mais baixo que outro país que teste todos os doentes com sintomas, bem como todos os contactos próximos, independentemente de terem ou não sintomas. Desta forma, olhar para o número de infecção não tem grande utilidade só por si.
Ainda assim, e para haver um ponto de partida minimamente comparável, é necessário olhar para o número de infecções per capita, de forma a comparar os valores dos diferentes países.
Dessa perspetiva, e usado a mesma lista de países, torna-se claro que nem em todos os casos, os países com maior número de fatalidades per capita nem sempre corresponde aos países com maior número de infecções. O caso mais gritante é o da França que apresenta quatro vezes mais mortes per capita que Portugal, mas divulga menos infecções que Portugal. Isto demonstra que na França os problemas não se limitaram à incapacidade de tratar os infectados, mas essencialmente na incapacidade em detectá-los.
O número real de infecções
Usando a taxa de fatalidades por infecção, pode-se agora pintar uma imagem muito mais próxima da realidade sobre o número de infectados, e o resultado é muito diferente dos números oficias divulgados pelas agências governamentais.
Tendo em conta que o Reino Unido já soma mais de 44 000 mortos, para atingir os 60% de imunidade que permitiria extinguir a propagação da pandemia, seria necessário atingir os 264 000 mortos
Começando pelo factor de sub detecção pode-se medir o sucesso de cada um destes países na detecção dos casos de Covid-19, e nesta métrica, Portugal fica num muito confortável penúltimo lugar, apenas à frente da República Checa. Ainda assim, em Portugal, apenas se consegue detectar 1 em cada 6 infecções. Noutros países, como a Suécia ou a França, este valor dispara para 17 ou 27, respectivamente.
Isto significa que em França, por cada caso detectado, 26 outros casos não o foram, contribuindo para a propagação indiscriminada da pandemia. Por outro lado, e neste grupo de países, a estratégia Portuguesa tem conseguido resultados muito mais próximos da realidade, que outros países que vêm agora reclamar que Portugal tem demasiadas infecções. A diferença está no facto de que Portugal está muito mais próximo de número real de infectados, do que por exemplo, o Reino Unido. Munidos deste valor, pode-se então calcular o número real de infeções, em cada um destes países.
Com níveis tão elevados de sub detecção, é expectável que os números reais de infectados disparem. Desta forma, o Reino Unido mantém-se no tempo da lista dos países com mais infecções, atingindo praticamente 10% da população total. Tendo em conta que o Reino Unido já soma mais de 44 000 mortos, para atingir os 60% de imunidade que permitiria extinguir a propagação da pandemia, seria necessário atingir os 264 000 mortos. É assim data a machadada final sobre a hipótese de imunidade de grupo. O preço a pagar é simplesmente demasiado elevado.
O número de infecções estimadas dispara também para valores acima dos 4 milhões em Itália, França e Espanha. Aqui começa a sobressair a forma de como os números oficiais escondem a realidade. Oficialmente, a Suécia e Portugal têm número muito similar de infecções, em torno das 35 000. Na realidade, a Suécia tem quatro vezes mais infectados o que aquilo que anuncia oficialmente (950 000) quando comparados com os 240 000 que se estima que Portugal tenha atingido a 1 de Junho. Na realidade, é o próprio estudo sueco que dá origem a este cálculo, é algo que o estado sueco pesquisa desde o início da pandemia.
Há no entanto, um ponto onde a estratégia sueca revela sucesso: apenar das medidas de contenção ligeiras, apenas menos de 10% da população foi infectada até 1 de Junho. Existe também um reverso da moeda, e isto afectou também a estratégia sueca: sem saber quantos e onde estão os infectados, não é possível actuar sobre os focos de infecção, algo que o estado sueco tem tentado fazer desde meados de Maio. É resultado desta alteração de estratégia que o valor de CFR da Suécia tem-se reduzido desde então, como se pode ver no gráfico acima.
Se virmos o número de infecções per capital, será finalmente possível ver a imagem completa da extensão da pandemia.
Como era esperado, a Bélgica aparece em primeiro lugar, com 12% da população já infectada. De facto, a Bélgica já apresentava o maior valor de fatalidades per capita, entre todos os países da OCDE, apresenta agora também a maior de infecções per capita.
Em segundo lugar aparece a Suécia, com 9.4% da população já infectada, que compara os valores oficiais de 0.37%, à frente da Espanha (9.2%), e Reino Unido (9.06%). Portugal, que segundo os números oficiais estaria num desconfortável 6º lugar à frente de países como Holanda e França, desce para o 8º lugar, com menos de metade das infecções dos mesmos países que o ultrapassaram.
Assim sendo, Portugal deveria ter a 1 de Junho, uma das taxas mais baixas de infeção da Europa, especialmente quando comparado com os países do centro da Europa, e o segundo melhor taxa de detecção de infecções entre os países analisados.
Torna-se então óbvio que a prática que tem sido seguida de criar listas vermelhas para viagens baseada unicamente em números de infecções carece de suporte científico, e tem como objectivo desviar as atenções dos próprios problemas. Sobre isso versaremos num próximo artigo.
- The infection fatality rate of COVID-19 in Stockholm – Technical report[↩]
- Rahmandad, Hazhir and Lim, Tse Yang and Sterman, John, Estimating the Global Spread of COVID-19 June 24, 2020. Available at SSRN: https://ssrn.com/abstract=3635047[↩]
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