Como Portugal se compara com o resto da Europa na segunda vaga?

Pode parecer estranho para quem tiver memória curta, que se discuta agora a declaração do estado de emergência, quando foi extensivamente elogiado o comportamento português na primeira vaga. De facto, pode estar a dar-se o caso de que Portugal, tendo superado a primeira vaga melhor que qualquer outro país a oeste da República Checa, esteja agora na lista dos piores da Europa.

Pode, mas também podemos aferir se é esse o caso.

Novos casos por 100 000 habitantes no mundo.
Fonte: European Center for Disease Prevention and Control
Clique para ampliar

O ponto de partida é como Portugal se compara com a Europa como um todo, e já agora, em comparação com o resto do mundo. Aqui os resultados são claros: desde Julho que Portugal tem tido uma média de infecções consecutivamente inferior à média Europeia, excepto nos últimos dois dias. Sobre estes últimos dois dias teremos de ver se se trata do efeito do facto de que Espanha não actualizou os valores nos últimos 2 dias.

No resto do mundo, a imagem é bastante nebulosa. A pandemia parece não ter afetado África, apesar de ter feito 19 000 mortos só na África do Sul, o que pode ser simplesmente explicado pela grande falta de testes e detecção das fatalidades causas pela pandemia.

De forma diferente, na Ásia e na Oceania, a pandemia parece estar sob controlo, o que acontece essencialmente devido às medidas tomadas pela China e Austrália, respectivamente.
No continente Americano as coisas parecem estar “controladas”, não porque a pandemia esteja a ser combatida com sucesso, mas porque atingiu um planalto, num intervalo entre as 10 e as 15 infeções por 100 000 por dia, desde Julho. Embora se verifique uma tendência muito significativa de subida nas últimas duas semanas, essencialmente devido a novos focos significativos de transmissão nos estados do centro dos Estados Unidos.

Em resumo, a Europa é novamente o grande foco de transmissão da pandemia, à imagem daquilo que ocorreu em Março/Abril, e Portugal está exactamente nessa média Europeia.

Advertisements
Novos casos por 100 000 habitantes nos países da UE.
Fonte: European Center for Disease Prevention and Control
Clique para ampliar

Olhando para os dados das infecções com maior detalhe, e olhando para países individuais, a imagem torna-se radicalmente diferente. A curva ascendente de Portugal é clara, mas a sua subida é bastante mais ligeira que a grande maioria dos restantes países Europeus. Fica então a dúvida sobre porque a média da UE fica tão próxima da Portuguesa. A razão é simples: existe um país, onde os números da infecção ainda estão abaixo dos de Portugal, e que tem também um contributo gigantesco para o valor médio da Europa, a Alemanha.

De resto, destacaram-se alguns países com maior relevância:

  • A República Checa, que até há menos de 2 meses, era dos países com menos infectados e mortos, é agora recordista em ambos os indicadores, tendo ultrapassado Portugal no número de mortes per capita.
  • Reino Unido, França, Espanha, Holanda e Itália, todos países que têm maior proximidade geográfica e económica com Portugal, e todos eles na lista dos 10 países com piores indicadores, todos voltam a apresentar valores acima dos de Portugal.

Aquilo que distinguiu Portugal na primeira vaga, foi o facto de que estando mesmo ao lado de Espanha, que era na altura um dos piores focos da pandemia, ter atingido valores muito mais baixos. É precisamente o mesmo que está a ocorrer agora, mas com a diferença que as fronteiras se mantêm abertas.

Média diária de fatalidades por 100 000 habitantes em alguns países Europeus.
Fonte: European Center for Disease Prevention and Control
Clique para ampliar

Podemos ainda ver como tem sido a progressão da pandemia nas semanas mais recentes.

Sem grande excepções, a pandemia foi implacável nas últimas duas semanas. Em particular, na última semana contam-se pelos dedos das mãos os países com melhores valores que Portugal, considerando que os de Portugal foram maus. Isto, considerado que esses países estão de facto a conseguir testar em números suficientes para detectar a maioria das infecções.

Por outro lado, em alguns países, a situação está absolutamente descontrolada:

Advertisements
  • Na Bélgica, o país Europeu com maior número de vítimas per capita, voltou ao topo das lista de países com mais infecções per capita.
  • A Républica Checa está par-a-par com a Bélgica
  • A França e Holanda seguem também o mesmo padrão da primeira vaga
  • A Suíça, que até há duas semanas tinha números mais baixos que Portugal, viu os números disparar na última semana.

O único país que não é uma ilha, e cuja situação não está ainda descontrolada é tão somente a Alemanha, que à imagem da primeira vaga, se mantém como o bastião no combate à pandemia, e que já está a receber infectados de outros países, como a Bélgica e Républica Checa.

Fatalidades por infecção nos países da EU.
Fonte: European Center for Disease Prevention and Control
Clique para ampliar

De nada vale falar de infecções, se estas não estiverem a ser correctamente contabilizadas. E sabendo a taxa de fatalidade da pandemia, será possível calcular quantos infectados é que não estão a ser contabilizados.

De facto, para um serviço de cuidados de saúde ocidental, a taxa de fatalidades por caso conhecido deveria ser constante e igual em todos os países. O facto de que tal não acontece sugere muito fortemente que as metodologias e resultados obtidos nos vários países não estão ao mesmo nível. Isto pode facilmente ser verificado através da análise do gráfico acima. Neste gráfico, todos os países com taxas de mortalidade acima de 1% são fortemente suspeitos de não estarem a detectar grande parte das infecções, e quanto maior for a diferença para 1%, menor é a taxa de detecção dessas infecções.

Desta forma, pode-se verificar que os números oficiais estão severamente subestimados em alguns países, tais como :

  • Bulgária
  • Bósnia Herzgovinia
  • Roménia
  • Grécia
  • Polónia

Através deste gráfico pode-se também verificar que o nível de cuidados de saúde se degrada ao longo do tempo, com o aumento da taxa de fatalidade. Este aparenta ser o caso da República Checa.

Também neste indicador Portugal apresenta uma posição que não destoa significativamente na Europa Ocidental, tendo apresentado valores algo elevados em Setembro. Estes resultados são consequência dos surtos ocorridos em lares, quando o resto do país ainda não sofria de forma tão severa, o que causou desvios na idade média dos infectados.

Advertisements
Média diária de fatalidades por 100 000 habitantes nos países da EU.
Fonte: European Center for Disease Prevention and Control
Clique para ampliar

Em resultado da progressão da pandemia pela Europa, o número de fatalidades per capita aumentou, de forma explosiva em alguns países, onde A República Checa atingiu o valor mais elevado de 1.2 mortes por 100.000 habitantes, o que em Portugal equivaleria a 120 mortos por dia, um valor que muitos considerariam impensável.

Nos restantes países, a situação não é muito melhor. Novamente a Bélgica regressa ao topo deste indicador, o que sugere que deverá permanecer o pior país da Europa em termos de mortes per capita.

Curiosamente, e de forma triste, grande parte dos países que viram mais fatalidades vêem agora um aumento do número de fatalidades:

  • Espanha
  • França
  • Holanda
  • Itália
  • Reino Unido

Por outro lado, nos países de leste, o número de mortos começa também a atingir níveis preocupantes:

  • Bósnia
  • Bulgária
  • Polónia
  • Roménia

Mais uma vez, neste indicador, Portugal apresenta-se para já numa posição menos má que a grande maioria dos outros países europeus.

Total de fatalidades por 100 000 habitantes nos países da EU durante o mês de Outubro. Fonte: European Center for Disease Prevention and Control
Clique para ampliar

Este é o resultado final de todo o mês de Outubro, é que Portugal está exactamente no meio da tabela dos países mais afectados pela pandemia.

Advertisements

No topo da tabela, além de Andorra, que face ao sua pequena população os valores têm variações muito altas, aparece a República Chega, seguido de uma mistura entre os países de leste (Bósnia, Bulgária e Polónia) e os países mais afectados pela primeira vaga (Bélgica, Espanha, França)

Parece que nem os países que mais sofreram com a primeira vaga aprenderam alguma coisa, nem os países que não sofreram com a primeira vaga aprenderam alguma coisa com os erros dos outros.