A deturpação dos sistemas uninominais na representatividade do voto popular: UK vs Grécia

Nota prévia: em Portugal é usado o sistema de Hondt, frequentemente alvo de críticas, em particular no que diz respeito à falta de representatividade dos pequenos partidos. Esta falta de representatividade não é nada comparado com os casos que serão descritos.

Quando em janeiro desde ano foi atribuído ao sistema eleitoral grego grande parte do resultado do SYRIZA, uma vez que atribui um “bonus” substancial ao partido vencedor, e impõe uma votação mínima para poder entrar no parlamento.

Passados poucos meses, já ninguém se importa com as deturpações dos vários sistemas eleitorais, e chovem felicitações à direita e à direita de vitórias expressivas alanvacadas por essas deturpações. É no Reino Unido um dos casos mais graves de deturpação da vontade popular, de tal forma que faria Tsipras corar de vergonha. Vamos então comparar os dois casos.

O Caso Grego

As eleições gregas obtiveram o resultado final que pode ser resumido neste gráfico:

Resultados das eleições gregas de 2015

Resultados das eleições gregas de 2015

À partida não se vislumbram grandes discrepâncias nos resultados: o partido mais votado obteve mais assentos, cada partido consecutivamente com menor número de votos obteve menor número de assentos, de uma forma mais ou menos proporcional. Podemos também ver que o número de votos necessários para garantir um assento no parlamento é constante (mas não totalmente).

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Votos necessários por cada assento parlamentar

Votos necessários por cada assento parlamentar

Existem no entanto deturpações nos resultados:

  • O partido mais votado obteve mais assentos que aqueles que seriam proporcionais aos seus votos. É uma característica do sistema eleitoral grego que o partido mais votado obtêm um “bónus” de 50 deputados.
  • Os partidos mais pequenos têm a sua entrada barrada no parlamento até que atinjam os 3% dos votos. Isto faz com que alguns partidos que à partida teriam garantida a presença no parlamento pelos métodos proporcionais (onde de certa forma se enquadra o sistema de Hondt), tendo mais votos que os necessários para eleger o primeiro deputado, são-no impedidos. Isto faz também com que jamais existiram mais do que 20 forças eleitorais no parlamento.

O sistema eleitoral grego é baseado numa distribuição de assentos por distrito eleitoral, segundo o método de Hondt. Dos 56 distritos, 8 são na realidade uninominais, mas trata-se da excepção e não da regra. É então um sistema algo similar ao português.

De entre todos os problemas, este sistema mantém a proporcionalidade e a monoticidade da vontade popular, embora não garanta essa proporcionalidade.

O caso inglês

 

As recentes eleições britânicas são um caso totalmente diferente. O gráfico, onde o número de assentos é proporcional ao número de votos) seguinte faz um resumo dos resultados:

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Resultados das eleições inglesas de 2015

Resultados das eleições inglesas de 2015

Como se pode ver, embora o Partido conservador tenha obtido uma maioria absoluta, esta maioria não tem origem no voto popular, uma vez que estes obtiveram apenas 36,9% do voto popular. Curiosamente, o Partido Trabalhista obtém um número de assentos que é sensivelmente igual ao voto popular.

No entanto, se olharmos para os restantes partidos, toda e qualquer noção de representatividade cai por terra:

Resultados das eleições inglesas de 2015 (Apenas pequenos partidos)

Resultados das eleições inglesas de 2015 (Apenas pequenos partidos)

  • O terceiro partido mais votado, o UKIP, é o décimo partido em termos de representação paramentar;
  • O terceiro partido com maior representação parlamentar, o Partido Nacional Escocês, é o quinto em termos de voto popular.
  • O Partido Conservador tem um maior desfasamento entre o voto popular (14%) que o SYRIZA (13%);
  • O número de votos necessários para um assento parlamentar variou entre os 2300 do Partido Unionista, e os 3.8 milhões do UKIP;
Votos necessários por cada assento parlamentar

Votos necessários por cada assento parlamentar

  • Olhando numa perspectiva de voto popular, os resultados seriam os seguintes:
Resultados eleitorais segundo o voto popular

Resultados eleitorais segundo o voto popular

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Trata-se de um caso paradigmático de tudo o que de mal pode acontecer num sistema de voto uninominal:

  • Fraca proporcionalidade entre o voto popular e a distribuição dos assentos;
  • O partido mais votado obtém um resultado muito acima do voto popular.
  • A ordenação das forças políticas é distinta do voto popular;
  • Os resultados dos pequenos partidos variam entre a completa desproporcionalidade positiva e negativa;
  • Os partidos regionais obtêm resultados muito acima da votação global;
  • Os pequenos partidos de índole nacional, têm resultados muito abaixo do voto popular.

Trata-se de um sistema que beneficia os grandes partidos, e os partidos regionais. Nenhuma das duas é uma boa ideia para uma nação….

Curiosamente, dos mesmos que criticaram o sistema eleitoral grego, não se ouviu uma palavra que não seja a felicitação do espetacular resultado. Dos autores dos artigos de opinião que culpavam o sistema grego de todos os males do mundo, nem uma palavra.