As diferenças entre o pico da epidemia no Norte e Lisboa e Vale do Tejo

Como seria de esperar, com uma segunda vaga de propagação da Covid-19 a ocorrer na região de Lisboa e Vale do Tejo, apareceram nas redes sociais dezenas de indignados sobre porque não se fala agora de uma cerca sanitária a Lisboa, como se falou no Porto, e se fez em Ovar.

Evolução semanal das infecções por 100 000 habitantes nos municípios com mais de 100 casos, ordenado pela semana mais recente.
Fonte: DGS

Ora, uma das características da indignação das redes sociais é precisamente a falta de adesão à realidade dos números. A razão pela qual as notícias estão a aparecer em catadupa, prende-se precisamente pelo facto de que no resto do país a propagação está quase parada. Notem no entanto o quase. Na realidade, se virmos a evolução das infecções por 100 000 habitantes nos municípios com mais casos, pode-se precisamente perceber que os 3 municípios mais afectados mais afectados são todos dos subúrbios de Lisboa, nomeadamente Amadora, Loures e Odivelas, respectivamente. De facto, a grande maioria das novas infecções registadas em Portugal ocorrem nestes três municípios, Sintra e Lisboa.

Então porque não se fala em isolamentos?

Existe no entanto uma diferença de escala entre o que acontece agora nesses municípios da zona de Lisboa e o que aconteceu no Norte em finais de Março e inícios de Abril. Para começar, é preciso ter em conta que os 5 municípios estão todos no top 15 dos municípios mais populosos do país, o que justifica porque grande parte das novas infecções do país tenha aí origem. Naturalmente. Também aqui se incluem os municípios com maior densidade populacional. Na verdade, estes eram os municípios onde eram esperada a maior quantidade de casos. Foi o facto de tal não ter acontecido, mas sim em municípios muito menos populosos e de população mais dispersa que deu origem ao problema na região Norte.

O indicador mais importante, de novas infecções de 100 000 habitantes, mostra no entanto que não estamos a falar da mesma escala de problema. Na realidade, olhando para o gráfico, podemos ver que o número de infecções por 100 000 habitantes, embora elevado, mas ainda se encontra significativamente abaixo dos valores atingidos em alguns municípios da zona Norte e Centro, como Lousada, Vila Verde, Matosinhos, ou Felgueiras, Já sem falar do grande pico de Ovar que ocorreu num período anterior ao coberto neste gráfico.

Infecções semanais por 100 000 habitantes.
Fonte: DGS

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Se olharmos pra o valores a nível regional, este efeito é ainda mais visível. Em inícios de Abril, toda a zona norte sofria mais de 60 novas infeções por 100 000 habitantes por semana, quando neste momento a região de Lisboa e Vale do Tejo não chega às 45. É portanto necessário ter cuidado. Cuidado em garantir que a propagação é estancada por um lado, e por outro que o gritos de indignação sejam temperados por factos e indicadores que os suportem, e não por regionalismo fervoroso se que ficou com o ego afectado.

Existe ainda uma diferença qualitativa entre as infecções detectadas agora na região de Lisboa e Vale do Tejo, e as ocorridas nas regiões do Norte e Centro.

As infecções detectadas no início da progressão da pandemia em Portugal eram baseadas em pessoas com sintomas e seus contactos, e ocorreram em grande medida em lares de idosos. As infecções que estão neste momento a ocorrer na zona de Lisboa e Vale do Tejo estão a ser detectadas por via de testes em massa feitos depois de detectados os casos iniciais em grandes empresas, sendo que grande parte destes infectados eram assintomáticos à altura da realização dos testes. Uma das características da Covid-19 é precisamente que as infecções são de certa forma proporcionais ao número de testes, por via dos casos assintomáticos, o que faz crescer os casos em cerca de 30%.

Fatalidades por 100 000 Habitantes.
Fonte: DGS

Existe ainda outra característica diferenciadora das novas infecções: a faixa etária. Estas estão a ocorrer numa população muito jovem e não em lares de idosos. Na realidade, um dos problemas das infecções ocorridas na região Norte ainda se verifica: o alto número de fatalidades por infecção. Embora este indicador demore várias semanas a operar após as infecções, a realidade é que no Norte este indicador nunca parou de subir, a ainda hoje o faz a uma velocidade maior do que na região de Lisboa e Vale do Tejo. Este diferença pode facilmente ser explicado pela diferença da faixa etária dos infectados.

Esperemos que a vaga actual de infecções a acorrer na região de Lisboa e Vale do Tejo seja estancada. Mas se não for, e se aproximar o do que aconteceu no Norte no início de Abril, estaremos cá para apontar o dedo. Até lá, estamos cá para repor a verdade dos números.

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